Sweet danger

Tirou do bolso do short um pequeno embrulho, miúdo, acompanhado de uma chave comum, sem chaveiro. Abriu-o com facilidade, mas com delicadeza, sem deixar o conteúdo completamente exposto. Recolheu com a ponta da chave uma pequena porção como uma pitada de sal e inalou, de olhos levemente cerrados, não sem antes certificar-se de que não havia perigo. A narina esquerda pareceu-me suja de maisena e a partir de então foquei minha atenção nela.

Sentados na areia, de costas pra favela acesa e muito perto do mar conversamos por horas. Antes e depois de ter visto alguém consumir cocaína na minha frente, sem alarde e sem me oferecer, pela primeira vez  e – espero que – última na minha breve vida.

Tive medo. Não por mim, embora saiba dos inevitáveis riscos de estar em companhia de portadores de drogas. Tive medo por eles, mas não deles. À minha frente, o casal de ingleses entorpecidos pareciam-me perfeitamente normais e me senti estúpida por não perceber antes. A garota me corrigiu: naive.

Deu-me uma rápida aula de como a cocaína atua no cérebro e mostrou suas pupilas dilatadas nos olhos azuis – seu único sinal aparente. O rapaz, falante, não parou de gesticular com as mãos enquanto conversava e bebia o drink preparado ainda em casa.

Mergulhei na profundidade daquilo enquanto jorrava da boca dela uma densa quantidade de experiências distantes de mim.

O enredo me prendeu. Namorou um drug dealer com pai e mãe viciados em crack e anfetaminas, nessa ordem. Admitiu ter se alimentado do vício na droga e já quase ter tido uma overdose. O pai é alcoólatra e há pouco tempo tentou suicídio, segundo ele por amor.

Os olhos dela encheram de lágrimas e então os meus. Incrédulos. Balbuciei algumas palavras de consolo e falsa compreensão, apesar de ter pego emprestada sua dor. Limitei-me a sentir e por um instante esqueci de julgar.

Favela

Foto retirada de: http://kayfochtmann.de/albums/brazil-1/content/kfochtmann-brazil-23/ (Kay Fochtmann)