Acabo de colocar um bolo no forno para assar. Sim, isso é grande coisa para mim, oras. Nunca, em toda história da minha vida, tinha feito alguma parte desse processo sem a inspeção de um adulto do lado. E que eu lembre, o único momento em que eu participava ativamente era na hora de comer, ou na hora de passar manteiga e farinha na forma, o que não requer muitas habilidades e até eu podia fazer.
O fato é que hoje está sendo um dia diferente. Acordei cedo – pode-se dizer que acordei cedo, porque não costumo acordar nesse horário -; fui ao supermercado fazer minhas comprinhas, incluindo os ingredientes do bolo, claro; voltei, tomei um café da manhã com frutas e comecei o preparo da minha meta.
Aparentemente deu tudo certo e ele está assando. Deve dar para notar o quanto estou ansiosa em vê-lo pronto, mas essa é outra parte do processo.
Que minha mãe não me ouça, mas ela nunca aprendeu a fazer bolo, coitada. Sempre tinha alguma coisa que dava errado e ou ele acabava duro, ou não crescia, ou muito fofo, ou intragável… na infância quem me fazia bolo era a minha vó. Eu sempre aperreava o juízo dela para preparar um para mim, mas frequentemente ela dizia: “para fazer bolo tem que estar boa dos nervos”. E não fazia.
Nunca entendi o que raios os nervos tinham a ver com aquilo, mas hoje me caiu a ficha. Não é que ela tinha razão? Na verdade ela só não soube me explicar o ditado. O que ele quer dizer, em minha opinião, é que você tem que estar com a memória fresca, para não esquecer nenhum elemento. E acho que era justamente esse o problema da minha mãe.
Para garantir, eu segui a receita, passo a passo. E por isso a minha esperança é tão grande de que ele dê certo. De qualquer forma, apesar da quentura do sol minha cabeça tá fresquinha, ainda mais agora.
Só Deus sabe há quanto tempo eu não lambia uma tigela com massa de bolo crua com as mãos, os dedos, e o que mais me desse na telha. Sim, porque eu não me lembro de quanto tempo faz. Não como bolo quentinho feito em casa desde que minha vó se foi. Hoje pareceu que ela estava ao meu lado, me vigiando, para eu não ser traquina.
Também não lembrava como lamber os dedos sujos de massa de bolo trazia uma felicidade instantânea tão ingênua e deliciosa. Por uns instantes quase pareceu que eu estava naquela velha cozinha com vovó Écila me dizendo para não ser peralta.