Fui agredida por um traveco na terça. Não é como se fosse um dia qualquer. Acordei tarde, como sempre, mas não estou na casa de sempre, nem no bairro de sempre, na cidade em que costumava morar. De todo jeito, não é todo dia que uma mulher de 1,90 cm – não reparei se estava de salto – pula na sua frente, insana, gritando que “não é viado, é travesti” e te dá uma bolsada.
Eu, a pessoa mais pacífica do mundo desde 2014, não reagi. Sim, porque se fosse a eu de 2004 estaríamos no chão até agora. Ou uma de nós estaria muito derrotada e essa, com certeza, não seria ela.
Mas não reagi. Tentei dialogar, o que foi inútil, óbvio, até que percebi o estrago iminente e corri. Ainda sem entender o porquê, mas corri. Eu, que sempre tento entender as coisas e por isso parei pra dialogar com o travesti.
Não era exatamente isso que queria dizer. É engraçado – sempre muito tempo depois e a quilômetros de distância – pensar nas bizarrices que acontecem comigo, no entanto acho ótimo porque eu sempre acabo sendo a pessoa mais cômica do bar, contando por tudo que passei e os amigos acham hilário porque agora, tenho que concordar, é isso que é.
Como a vez que o meu cadarço ficou preso na escada rolante.
Era a minha primeira vez no Rio e também a primeira vez que andei de avião. Era também a época do Natal, que por sua vez é a época do meu aniversário e esse ano, em particular, ganhei presentes que lembro até hoje.
Estava eu feliz e saltitante no shopping, passeando com a minha família carioca e o meu super hiper ultra mega power All Star quadriculado que ganhei de aniversário. Ele combinava com o meu vestido, também quadriculado, em preto e branco.
Enfim. Estávamos descendo a escada rolante, coisa que eu não costumava fazer até então, quando me abaixei pra amarrar o cadarço do tênis e minha tia disse ” Vanessa, deixe pra amarrar quando sair da escada porque seu vestido pode prender”.
Tudo o que eu fiz foi obedecer e voltar pra minha posição inicial feliz e saltitante. Mas boca de mãe, e nesse caso não importa se a mãe é sua ou não, é boca de praga.
Todos desceram da escada, menos eu, que comecei a ser engolida pelo cadarço. Não foi uma cena bonita.
Eu gritava “acode, acode, tia”, minha vó com as mãos na cabeça “o pé dela, o pé dela”, enquanto minhas primas tentavam puxar meu pé e eu era erguida pela minha tia dizendo “tira o tênis, tira o tênis” e eu “o tênis não, o tênis não” e minha vó “tira o tênis, vai prender seu pé” e eu “O TÊNIS NÃO, O TÊNIS NÃO”.
O momento não deve ter durado um minuto, do contrário hoje eu poderia estar sem pé. Eu também não sei como ficou o entalamento na escada rolante, nessas horas não se presta muita atenção, mas lembro que só no que eu pensava era que não queria perder meu All Star novo, quadriculado, e esqueci até que tinha pé.
Os tênis me acompanharam por um bom tempo, com o cadarço direito marcado de graxa, até que cheguei numa fase de crescimento que eles não me serviam mais.